Literatura de Cordel
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Bandeira da Paraíba
Monografia
Autor: Valentim Martins Quaresma Neto

Capa
    Dedicatória
    Sumário
    Apresentação
Capítulo I   Capítulo II   Capítulo III   Capítulo IV   Capítulo V   Anexos
CAPÍTULO V

5. A EXPERIÊNCIA QUE VEM DANDO CERTO

                Os ufanistas afirmam que o Brasil é uma das maiores democracias raciais e étnicas do mundo, não obstante, sabemos que existem vários tipos de discriminações raciais e sociais, não do ponto de vista teórico, mas na amplitude da prática.

                Uma professora, certa vez, querendo ser engraçada, perguntou-nos: "qual era a importância de um negro, dirigindo um fusca e ouvindo forró"? Começamos a opinar, defendendo a preferência musical, o carro escolhido, talvez por uma conveniência financeira, e quanto ao homem, afirmamos que não podemos falar de alguém observando apenas a cor de sua pele, mas que tudo aquilo era bastante significativo, principalmente, pelo ser humano envolvido. Fomos interrompidos por ela que falou cinicamente: - "A reposta seria nada, pois fusca não é carro, negro não é gente e forró não é música". Jamais pensamos ouvir de uma "professora", tamanha barbaridade. Ela explicou-se dizendo que era apenas uma brincadeira. Chegamos a conclusão de que vivemos em um país que tem enorme preconceito, racismo e toda espécie de hipocrisia, e o que é mais grave, tudo de forma camuflada. Se os nossos educadores estão assim, com esse grau de entendimento, imagine os nossos educandos? A falta de formação cidadã e de consciência política da maioria dos professores são muito bem assimiladas por parte dos alunos, pois essa prática tem ao seu favor toda a estrutura social, econômica e ideológica do Brasil. O sistema capitalista abraça esse ideal de menosprezo e discriminação racial, tudo faz parte da competitividade. Como se não bastasse, uma parcela significativa dos professores não tem nenhum compromisso com a ética, com a verdade e o amor, difundem a idéia de que "uma mão lava a outra!" "Vamos pegar, depois a gente racha no meio!". E as gerações futuras vão sendo influenciadas por toda sorte de práticas destrutivas que está tornando o país numa das nações mais corruptas do mundo.

                Gostamos de valorizar o amor, por isso, insistimos nas práticas pedagógicas simples, de valorização da cultura nordestina. Defendemos, pois, a arte de contar histórias, de fazer versos, de dançar forró, de valorizar o negro, o branco o amarelo, de acreditar no fazer dessa gente simples que tem nos ofícios de bordar, tecer, fazer armadilhas para capturar animais, rezar, trabalhar no roçado, nas construções e nas fábricas, a razão de toda a sua existência.

                O povo nordestino amarga a discriminação por parte dos sulistas e outras regiões do país. O Nordeste é tido como a terra seca, os seus habitantes como os cabeças chatas, os comedores de farinha e rapadura, os flagelados em tempo de seca. E em particular a cultura também é mal vista, apesar de lançar para o Brasil e para o mundo grandes poetas, excelentes romancistas, ótimos pensadores, incomparáveis músicos e artistas em geral, recebe um rótulo de vulgaridade, de falta de expressividade, de cultura menos elaborada, principalmente, a cultura popular porque não move muito dinheiro.

                Quanta falta de escrúpulo das autoridades para com a questão do semi-árido nordestino! Não agüentamos mais ouvir promessas enganosas, discursos demagogos em épocas eleitorais, afirmando que vão pôr fim ao problema. Necessitamos preparar os nossos educandos para enfrentar as situações difíceis, exigir soluções, procurar formas alternativas de ação e reivindicação buscando melhor tratamento para a nação nordestina. A educação não pode omitir-se de enfrentar situações como essas, pois uma de suas funções é formar cidadãos participativos que saibam lutar para corrigir as distorções, no entanto, o que temos presenciado em relação à terra, à cultura e ao homem nordestino é uma verdadeira barbárie. Parar, inventar um disfarce, desviar o curso das discussões para outros assuntos, limitar-se ao livro didático, recheado da ideologia dominante é contribuir decisivamente para a continuidade desse estado de calamidade pública permanente.

                A alegação de falta de verbas defendida pelas autoridades constituídas é totalmente mentirosa, basta observarmos projetos como: da estrada Transamazônica, da Ferrovia do Aço e das Usinas Nucleares. São bilhões de dólares, resultantes dos impostos do povo brasileiro que foram desviados, surrupiados e desperdiçados. Só serviram para aumentar as desigualdades sociais e os problemas brasileiros. Somente a consciência política e a ação popular de forma organizada, pacífica e ordeira poderá encampar uma luta em prol de todos aqueles que sentem-se prejudicados e que sonham com um Nordeste mais próspero, no sentido de conquistar, de forma planejada, a tão sonhada irrigação para o semi-árido nordestino. Isso só será possível através da educação das massas, principalmente, a massa trabalhadora, que deve ser educada para o associativismo e o sindicalismo, além das regras de convivência social. A oralidade e a literatura de cordel têm demonstrado através dos tempos que são importantes ferramentas no repasse dos valores cidadão e ético para construção da cidadania.

                A literatura de cordel, por exemplo, já foi durante as décadas de 40 e 50, um grande veículo de comunicação do povo nordestino e porque não dizer do Brasil. E Juazeiro do Norte - CE, o maior centro de exportação dessa modalidade cultural para o todo o país. Algumas décadas depois, com o advento da migração do homem do campo para as cidades e a mudança total nos hábitos da população, chegaram a decretar sua extinção como forma de expressão literária. Graças à ação de vários estudiosos do assunto e da memória popular, há uma base que mantém firme a oralidade e o cordel. Existe hoje no Brasil um trabalho que visa a manutenção e uma nova expansão, principalmente, do cordel, até mesmo, via internet. A preocupação maior, no momento é que a cultura popular que está sendo produzida chegue ao convívio das massas trabalhadoras, como no passado. Mesmo cientes das dificuldades devido à concorrência com a televisão e com a internet, acreditamos que a partir da publicação em massa e da divulgação através das novas tecnologias, além das formas tradicionais de se produzir literatura popular, tanto o folheto, como a parte da oralidade ganhará novo impulso.

                Apesar dos movimentos que já existem, a literatura popular nordestina, encabeçada pela literatura de cordel, necessita urgentemente de um projeto de divulgação e expansão, assim como fez a música popular brasileira que deixou de copiar os modelos estrangeiros e mostrou sua própria identidade, tornou-se uma das músicas mais tocada e conhecida em todo o mundo. Com a literatura popular não será muito diferente, se o povo, principalmente o do Nordeste, assumir sua identidade cultural e acreditar que o cordel pode, novamente educar as massas trabalhadoras em nosso país. E os meios de comunicação, acusados de terem sido os principais responsáveis pela decadência da literatura popular, podem ser fortes aliados na divulgação e na expansão dessa modalidade cultural.

                Quem faz a mídia é o povo e se este mesmo for instigado, incentivado poderá haver uma forte adesão para revitalização da arte popular. Para que isso aconteça, devemos nos adequar a atual situação e implantar elementos novos sem deixar que a manifestação popular perca sua originalidade e sua identidade própria.

                Levando em consideração que os textos em literatura de cordel, por exemplo, são elaborados com recursos sonoros como a rima, o ritmo e geralmente são cômicos além de poderem ser cantados sem nenhum problema em qualquer toada, tudo isso favorece a aprendizagem, e estimula para que os estudantes possam vislumbrar novas perspectivas de assimilação e de busca do conhecimento.

                Acreditamos que a escola poderá contribuir decisivamente para a reconstrução da literatura de cordel, divulgando a vasta produção que temos, ou seja, a maior do mundo e incentivando os educandos a lerem e a produzirem folhetos, através de projetos que objetivem expandir e revitalizar esta manifestação literária tão dotada de criatividade e de imagens poéticas que só o povo nordestino a fez de maneira especial e continua fazendo, agora com menos intensidade, mas com uma criatividade ímpar.

                Justamente por acreditarmos na possibilidade de fazer algo diferente no sentido de educar, apesar das dificuldades e da crise que todo estabelecimento educacional atravessa no momento, uma das coisas que melhor aconteceu na escola em que trabalhamos foi a utilização da literatura de cordel como recurso didático. Não podemos afirmar que, em virtude disso, a escola deixou de ter problemas, mas não tememos afirmar que houve uma relativa mudança, e que nosso trabalho é significativo o suficiente para continuar sendo executado.

                A experiência que temos implantado nos ensinos fundamental e médio, mostra-nos resultado muito positivo. Instituímos que a cada dia de nossas aulas de Literatura, recitaríamos uma poesia de nossa autoria ou de outros autores. Acordamos também que os alunos poderiam pesquisar e trazer textos poéticos para serem lidos e discutidos ou até dramatizados em sala de aula. Nomeamos esse quadro de nossas aulas de "Vivendo a poesia". E os resultados são animadores: alguns alunos já chegaram a nos confidenciar que antes, não gostavam de ler, agora estão mais a vontade com a leitura e a escrita. Observamos que ao entrar na sala eles sempre estão ansiosos para ouvir a poesia do dia, e isso nos deixa feliz. Vários são aqueles que escrevem textos poéticos e/ou em prosa e nos apresentam para que possamos ajudá-los com as orientações necessárias. A intenção é que todos estejam em contato direto com a leitura e a escrita e isso vem acontecendo freqüentemente.

                Segundo um dos teóricos bem conceituados em desenvolvimento educacional, o psicólogo Ausubel, "numa situação de aprendizagem, o conteúdo será assimilado com maior facilidade quando este for representativo", conforme nos ensina César Coll e outros em sua obra Desenvolvimento Psicológico e Educação - Psicologia da Educação, vol. 2, 1996: 70/71.

                Partindo deste pressuposto é evidente que em nível de Nordeste quando falamos em figuras como Virgulino Ferreira da Silva, o "Lampião", Padre Cícero Romão Batista, Frei Damião e muitos outros nomes de uma representatividade ímpar, falamos conseqüentemente de figuras lendárias muito conhecidas e veneradas ou criticadas por todos os nordestinos e sobre os quais há um número incontável de folhetos, reportagens, e até mesmo músicas populares que retratam a vida e os feitos desses grandes vultos, que de tanto se destacarem, tornaram-se imortais. E continuam vivos na memória do povo místico do Nordeste, por isso merecem ser estudados sempre.

                Diante do exposto, podemos crer que quando a escola enfatizar mais assuntos ligados à cultura popular como um todo, colocando o aluno como centro de um processo histórico, pesquisando o que há de importante e de extraordinário na vida daqueles que representam nossas raízes culturais, teremos, sem nenhuma dúvida, um maior envolvimento por parte dos alunos com as aulas e, por conseguinte, uma situação de aprendizagem bem mais favorável.

6.CONSIDERAÇÕES FINAIS

                As tentativas de encontrar saídas para resolver a crise educacional são várias, teoricamente inúmeros esforços são empreendidos, vejamos, por exemplo, a nova Lei de Diretrizes e Bases da educação promulgada em 1996, que até agora não tem atingido seus fins. Se forçarmos um pouco os fatos, iremos constatar que esses esforços não surtem efeitos porque sempre existiu uma política educacional tendenciosa e viciada e inexiste uma política cultural, voltada para a massificação da cultura.

                Temos de um lado professores mal preparados, mal assistidos e mal pagos cuja grande maioria, não possui sequer as condições de assinar uma ou mais revistas informativas, jornais ou adquirir livros diversos e atuais; do outro lado uma clientela que está preocupada em desenvolver técnicas de sobrevivência, enfrentando crises e mais crises sociais, sem falar nos programas desenvolvidos pela mídia que se encarregam de desvalorizar instituições sociais importantes como a família e a própria escola, buscando através do erotismo e do sensacionalismo banalizar a sexualidade e a vida.

                Nessas condições de trabalho e de vida citadas acima, qualquer projeto educacional fica comprometido ou torna-se inviável porque a prioridade maior, de grande parte da população, é com a sobrevivência. Por essas e outras razões, chegamos à conclusão de que ainda falta muito para conseguirmos uma educação de qualidade para todos, pois a massa trabalhadora ainda não se deu conta da dimensão de sua grandeza social e cultural na construção da sociedade e sente-se impotente na busca de melhorias sociais e, por conseguinte, educacionais.

                Mesmo reconhecendo todas essas dificuldades referidas anteriormente é fundamental que cada educador possa refletir e questionar-se sobre sua prática pedagógica, sobre seu plano de ação nesse campo minado de batalhas ideológicas, sobre seu papel como formador de opinião e, principalmente sobre sua contribuição para a formação coletiva, cidadã e a realização pessoal dos educandos.

                Tudo o que realizamos em sala de aula, enfrentando desafios e toda ordem de dificuldades, às vezes colocando dinheiro do próprio bolso, para sentir o gosto do fazer e de ver as atividades sendo executadas é uma forma de dar crédito às autoridades competentes, mas estas não nos têm correspondido a altura, reconhecendo os nossos esforços, valorizando o nosso trabalho, garantido os nossos direitos como cidadãos e como educadores. Percebemos que se formos esperar por benevolências vindas do sistema educacional, nossas chances de melhorias são poucas ou quase nenhuma. Faz-se necessário uma ação coletiva, gerada nas bases, com firmeza, consistência e poder de discernimento capaz de buscar alternativas e empreender ações que visem o bem-estar social e educacional para todos. Como sabemos a competição e o egoísmo do sistema capitalista não nos permite essa abertura com facilidade ao perseguir esse sonho é preciso renunciar certas práticas, atitudes e conceitos e abrir as portas de nossas vidas para o novo sem desprezar nossas raízes culturais.

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