Sobre a Tenda do Cordel 2013

Ao setor jurídico e ao presidente da Funjope, sr. Maurício Burity.

Senhores,

 

Em relação à exigência de mais documentos pela FUNJOPE para o pagamento do Projeto Tenda do Cordel, que fora realizado durante a Festa das Neves 2013, gostaria de fazer algumas considerações. Primeiramente, preciso me apresentar, pois diferentemente de qualquer artista consagrado, eu não dispenso apresentação. Sou Francisco Diniz, professor de educação física, trabalho na rede municipal de Santa Rita, cordelista e cantor da minha música regional-autoral.

Desde o ano 2000 percorro as escolas da região metropolitana de João Pessoa divulgando o cordel, já andei em muito mais de trezentas salas de aula lendo folhetos, declamando textos, cantando minha música, as vezes vendendo alguns títulos, mas na maioria das vezes levando gratuitamente cordéis às escolas públicas em troca de resmas de papel ofício, que são usadas para a produção de outros folhetos para, obviamente, serem levados a outras escolas. Estou gravando o meu 5º cd, que provavelmente alguns poucos amigos vão ouvir, a exemplo dos demais, posto que o meu trabalho não é apelativo, não fala de bunda, não desfaz da imagem da mulher e também não pago jabá para aparecer, condição exigida pela grande maioria das emissoras de rádio e tv, mas como sou muito crítico, reconheço que o meu talento é bem limitado para estourar, a não ser que a rede globo queira, o que eu acho muito improvável. Escrevi em torno de 70 cordéis, um deles – Quadrilha Junina – foi premiado pela UFPB, em 2006, mas até hoje não recebi o pagamento do prêmio.

Administro um site na internet desde 2001, cujo nome hoje é www.projetocordel.com.br  e contabilizamos mais de 303 mil acessos. Fiz algumas apresentações e oficinas pela Funjope e coordenei a Tenda do Cordel, a convite de Emilson Ribeiro, nos anos de 2007, 2008 e 2009, durante o São João e a Festa das Neves da capital paraibana, onde conseguimos uma proeza, acho que algo inédito no Brasil, até então, cachê para cordelista ler e expor os seus trabalhos.

Anteriormente, somente repentistas e emboladores conseguiam se apresentar ganhando alguma coisa, mas com a justificativa que apresentamos e o empenho de Emilson e Lau Siqueira, conseguimos tal projeto durante os três anos citados. Depois, os diretores seguintes da Funjope não deram mais importância ao cordel e a tenda acabou, só retornando agora na Festa das Neves, porém após muita briga de Emilson para convencer sua equipe na Funjope sobre a necessidade da instituição pública valorizar um patrimônio imaterial da Paraíba, já que o cordel tem o seu berço em Pombal, com Leandro Gomes de Barros, ilustre homem simples e sábio, hoje valorizado, através de pesquisadores mais na Europa, principalmente na França, do que no seu próprio rincão.

 

No ano de 2007, através do FMC - Fundo Municipal de Cultura - deste município, tive o Projeto Cordel aprovado e fiz apresentações em 48 escolas municipais. Na oportunidade distribuímos 24 mil cordéis aos alunos, sendo 500 em cada escola, além de levarmos nosso grupo regional para cantar durante as palestras-oficinas sobre cordel.

Escrevi vários cordéis sob encomenda, tal como um, com o meu parceiro Valentim Quaresma, contando a história da cidade de São Caetano do Sul-SP e outros sobre biografias de pessoas de várias cidades do Brasil, que através do site entram em contato conosco. Petra Ramalho, quando esteve na Funjope me pediu para homenagearmos Ariano Suassuna pelos seus 80 anos. Fiz o cordel, que foi visto pela direção da Petros(uma fundação da Petrobrás) e reproduzido num livro desta entidade e ainda fomos apresentá-lo ao próprio Ariano, em Recife, em 2007. Déa Limeira, também quando esteve na Funjope, solicitou-me um cordel sobre a preservação do rio Jaguribe para ser mostrado às comunidades ribeirinhas. Depois ele foi musicado.

 

Temos muitas histórias senhor presidente, senhores do setor jurídico da Funjope. Não temos o reconhecimento nem cachês de celebridades, pois cultura popular, sem vínculo com a apelação, neste país não é respeitada, não é valorizada financeiramente, e artista que é desprovido de grandes somas de dinheiro não é vitrine, raramente é entrevistado ou serve de modelo, de exemplo para ser mostrado na grande mídia. E como educador sei bem que isso é o fruto do nosso povo mal educado ou sem educação de qualidade oferecida pela estrutura de um cultural poder corrupto instalado aqui desde a invasão há mais de 500 anos.

 

Pois bem, após esta apresentação, vamos ao teor deste comunicado. Através de Emilson Ribeiro, mais uma vez, que é o diretor mais benquisto por todos os artistas da cultura popular, e isto não é puxação de saco, é reconhecimento mesmo, encaminhamos o Projeto Tenda do Cordel para a Festa das Neves 2013. Para acelerar o processo burocrático de ajuntamento de documentos dos artistas, exigidos pela Funjope e pagamento também, fizemos uma parceria com a Associação Balaio Nordeste, que ficou encarregada de tal organização, pagar os encargos, certidões, etc. A mim coube a missão de contactar os colegas e orientar sobre os procedimentos para fecharmos o contrato. Só entende a burocracia e os aborrecimentos para se fazer uma atividade desta natureza quem participa da organização de um evento assim. A intermediação do Balaio Nordeste tinha a justificativa de que o pagamento seria feito bem antes de um mês, como é de costume nos contratos da Funjope. Hoje, praticamente um mês após o evento recebi um telefonema do companheiro Emilson me pedindo para que eu viabilizasse mais quatro notas fiscais para que a Funjope pudesse pagar aos integrantes da Tenda do Cordel. Pedi-lhe desculpas, disse-lhe da minha gratidão a sua pessoa e da sua importância na minha vida de artista, mas recusei-me a fazer isso, ou seja, não vou procurar mais nenhum documento, pois nós já apresentamos todos.

 

Ora, que desinteressante, o setor jurídico da Funjope estava precisando de uma justificativa para pagar o evento da Tenda do Cordel, orçado em R$ 10 mil reais, cujo valor dos encargos será de R$ 1.100,00 e, portanto, restarão R$ 8.900,00 para pagarmos a 12 cordelistas(sendo 1 de Patos, 1 de Mamanguape e 1 de Condado-PE, os demais moram em Santa Rita e João Pessoa), a 4 pessoas do forró pé de serra, que tocaram nos quatro dias do evento, e mais 3 pessoas que nos ajudaram com o serviço de som e atendimento ao público nas mesas dos cordéis também todos os quatro dias. Sem contar que o serviço de som foi por nossa conta, era simples, pois a Tenda do Cordel é um evento para as pessoas assistirem bem de perto, não necessitando de um serviço de som mais sofisticado, com grande potência, desta forma fizemos como nas outras edições, de 2007 a 2009.

 

Meu querido Emilson perdoe-me pelo desabafo, este ano você conseguiu um local e uma estrutura bem melhor para o retorno da Tenda do Cordel e até uma placa do evento, que pode ser conferida nas fotografias no endereço www.facebook.com/franciscodinizcordel, mas eu estou tão aborrecido que dá até vontade de imitar um tio meu, que numa circunstância dessa diria, "isso é uma piléra". E eu iria mais longe ainda, sinto vontade de ser tão mal educado com esta política de contratação e pagamento dos artistas populares e chamar estes burocratas de um palavrão, muito dito hoje pelos jovens da periferia das escolas onde trabalho, que rima com "piléra".

 

Senhor presidente da Funjope, Maurício Burity, o senhor esteve na Tenda do Cordel e viu como ela funcionou. Apesar de o senhor ter comprado vários exemplares, nós vendemos pouco durante os quatro dias, ou quatro noites, pois só terminávamos por volta das 23h e 30 min. com o forró pé de serra. Entre venda e sorteio de cordéis com o público foram uns 600 títulos. Nós imitamos a Livraria O Sebo Cultural, que toda noite sorteava livros com os presentes. Nós doamos mais de 100 cordéis. O Projeto Tenda do Cordel é uma iniciativa para conquistar o grande público a longo prazo. Depende de continuidade no investimento para educar o povo para apreciação de uma arte que já foi o rádio e o jornal do cidadão do interior do Nordeste brasileiro de 1893 - início das publicações dos folhetos – aproximadamente, até o final da década de 1960, declínio da venda das histórias em verso nas feiras.

 

Como disse, senhor presidente, não apresentarei mais nenhum documento para a Funjope efetuar o nosso pagamento, isso já foi feito. Se ela se recusar tomarei as medidas legais cabíveis. Foram apresentados currículos dos participantes e proposta de valor a ser cobrado, e, certamente, os pagamentos das certidões pela Associação Balaio Nordeste. Considerando a grandiosidade do evento e a quantidade de gente envolvida, 19 no total, nos citados quatro dias da Festa das Neves 2013, o que cobramos pela Tenda do Cordel foi um valor quase irrisório.

 

E para concluir o meu protesto, informo-lhe que não farei, a partir desta data, mais nenhum contrato com a Funjope ou qualquer outra entidade para recebimento de cachê, que não seja imediatamente após a conclusão da apresentação. Não me entenda mal, não é soberba, até porque a minha fama é nenhuma, e qualquer órgão de cultura não sentirá a menor falta da minha ausência em eventos, mas por questão de defesa de uma política de respeito aos desprezados artistas populares agirei desta forma. Veja, senhor presidente, como é contraditória a política de contratação da Funjope ao longo de sua história: artistas famosos, a exemplo dos que estiveram na festa das Neves ou outra festa qualquer, como Erasmo Carlos, Sidney Magal, Cidade Negra, dentre tantos recebem os seus cachês assim que terminam os seus shows, e são valores muito altos. Acho que uma celebridade como Erasmo Carlos não faria um show por menos de 100 mil. E o município pode pagar um valor desses logo que o artista termina o seu trabalho. Existe contrato deste tipo para a “estrela” ou para o “astro”. Mas o artista popular tem que esperar trinta dias, em média, para receber um cachê medíocre. Sabe o que é isso senhor presidente? É a falta de uma revolução nos costumes e práticas sociais. É a falta de respeito aos humildes e ainda não "famosos". É a prática da elite, do corporativismo, do endeusamento de alguns artistas, muitas vezes sem escrúpulos, sem conteúdo para a transformação dos equívocos.

 

É claro que os meus colegas não irão aderir a este movimento porque por mais demorado que seja o pagamento e o incômodo da organização de documentação para fazer um contrato, todos irão preferir se submeter às exigências para receberem o pagamento por uma apresentação cultural na Funjope, que reconheço ser uma das pouquíssimas instituições públicas da Paraíba que contrata artistas populares. Mas eu não compactuarei mais com a sua política de contratação e pagamento.

Se um dia entrar um gestor que pague ao artista popular dignamente, e após ele descer do palco, eu submeterei um projeto a este gestor, caso contrário continuarei fazendo o que sempre fiz: mostrar o meu cordel e a minha música gratuitamente nas escolas, feiras e praças, certo de que receberei uma salva de palmas ou uma vaia ensurdecedora.

 

Francisco Diniz

João Pessoa, 28 de agosto de 2013, 04:00h.